Pela quarta vez que vou a Portugal, fui lendo Senhores dos Trilhos no avião (não dormi nem três horas na ida) com o objetivo de encontrar algumas respostas sobre o Brasil, esse País que parecemos nunca compreender e atualmente parece estar mais do que nunca na busca de si próprio, e pela primeira vez como Rail Guide de meus dois grandes e velhos amigos Lucas e Pedro Camano e seus pais – Fábio e Ana Paula – que nunca haviam andado de trem na Europa.
Esse pequeno país pobre tem, pelo menos para os brasileiros que não o olha com a mentalidade obtusa do ensino doutrinário de Paulo Freire que afirma, segundo Eduardo Galeano, que a causa de nossos problemas foi a colonização, um quê de especial, a começar pela companhia aérea TAP, que com seus serviços de excelência, aparenta voar sobre o Atlântico há mais de quinhentos anos, como fazem os portugueses desde que descobriram o Brasil.
Nesse belo país que sabe muito bem preservar seus costumes e tradições, principalmente o fervor religioso, frente ao califado em que vêm tornando-se a França e Alemanha, que D. João VI e foi um dos maiores reis da Europa ao fugir com a corte ao Brasil e salvar Portugal dos destrutivos ideais da Revolução Francesa que levaram a França e boa parte do continente a uma longa decadência que perdura até hoje.
Para nós, a melhor parte talvez seja atravessar o oceano e não precisar falar inglês para se fazer entender, assim como para eles ouvir um estrangeiro falando em sua língua natal, tão pouco falada mundo afora. E é sempre divertido falar com nossas diferenças de séculos separados pelo mar e alguns milhares de imigrantes que separaram o português brasileiro do lusitano, as piadas que fazem de nós do mesmo jeito que fazemos deles e diversos trocadilhos que somente quem realmente domina o idioma português consegue fazer:
- Se as filas são bichas, como chama-se as bichas aqui?
- Não temos, mandamos todas ao Brasil, principalmente ao Rio Grande do Sul.
…
- Tem croissant de chocolate?
- Tem, mas não há.
…
- Queria passagens de comboio para Coimbra.
- Queria? Não queres mais?
…
- Sobe?
- Não, está parado.
…
- A pastelaria está aberta?
- Sempre esteve, desde 1860.
…
Os portugueses inclusive parecem conhecer o Brasil às vezes mais do que nós mesmos, como pelo sotaque, que por aqui praticamente não notamos – me perguntaram diversas vezes “És de São Paulo, não?” pelo sotaque de paulista que difere gritantemente da pronúncia lusitana fechada e arrastada, assim como reconhecem brasileiros de diversas regiões do País pelo modo que falam.
Em alguns momentos, apesar de sermos de países separados há quase duzentos anos, evidenciam-se as inúmeras semelhanças que temos com nossos antigos colonizadores, como o orgulho da terra natal misturado no amargo sofrimento de um povo esperançoso e de um País que, assim como sua antiga colônia, ressente-se de não ser a potência mundial que desejaria – eles, o Império que perderam, nós, a potência que tentamos nos tornar – cantado pelos fadistas que tocam nossos corações com as belas letras que, ao contrário dos turistas do resto do mundo, temos o privilégio de conseguir entender no nosso belo e profundo língua materno.
Chama a atenção a dedicação que têm ao Brasil – coisa que falta por aqui entre nós há décadas. Nas livrarias, nos oferecem Machado de Assis, Lima Barreto, Aluísio de Azevedo e Olavo Bilac; em diversas bancas há notícias do que se passa por aqui, e quanto a algumas esparsas bandeiras verdes e amarelas espalhadas pelas janelas, me foi respondido: “Estamos tristes pelo que está acontecendo com o Brasil. Saiba que estamos torcendo por vocês do outro lado do Atlântico. “
Em meio às cidades em que ainda há imóveis fechados desde tempos imemoráveis, pertencentes por lei aos descendentes de portugueses que deixaram sua terra natal e que o Governo não pode tocar, o esforço do pequeno reino europeu de ter desbravado o mar em busca de novos Mundos para o Mundo e criado o nosso em outro continente permanece mais vivo do que nunca, assim como esclarece de forma mais profunda os versos de Fernando Pessoa:
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal
Por te cruzarmos, quantas mães choraram
Quantos filhos em vão rezaram
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Um sentimentalismo que parece não haver com os Impérios Britânico e os demais, que dominaram o mundo com uma relativa maior facilidade. Colonizar o Brasil certamente é um feito de, o que me lembra o que um guia em um museu disse certo dia sobre tamanha simpatia aos brasileiros: “Vocês são a maior criação e o maior legado do Império e do povo portugueses, a grandeza do Brasil é o esplendor de Portugal.”
Por mais vergonhosos que possamos estar parecendo aos olhos do mundo com os imensos escândalos de corrupção e o colapso da infraestrutura básica, como a saúde, educação e transportes, somos de forma amarga e esperançosa, o orgulho desse caloroso povo que partilha conosco a mesma amargura e esperança com sua pátria amada.
Pelo menos para mim, Portugal relembra o orgulho de ser brasileiro. E vocês?
- João R.
Composição do Metropolitano do Porto, pouco maior que um VLT comum e que trafega em alguns trechos subterrâneos no centro da cidade. Foto na estação São João, perto das 22h
Da esquerda para a direita: Regina Rodrigues, Ana Paula Camano Passos, Lucas Camano, Fabio Barros e Pedro Paolo Camano no banco da estação João de Deus, esperando pelo comboio para o Bolhão
Não é só no Brasil que passa trem de carga (às 18 horas!) nas estações e o seu trem de passageiros atrasa…
Intercidades de Coimbra para Porto chegando atrasado, já de noite. Interessante notar que a locomotiva é do mesmo modelo (Série 5600) que passou com a composição de carga 20 minutos antes.
Clique de um Trem – unidade da Série 2240 em Coimbra, que fiquei observando por quase duas horas na estação, enquanto já pensava em escrever diversos artigos sobre os comboios portugueses…
Agradecimentos especiais:
- Ana Paula Camano Barros
- Fabio Barros
- Lucas Camano
- Pedro Paolo Camano
- Regina Rodrigues