O início do Século XX no Brasil foi marcado pelas inúmeras epidemias que assolavam o País, em decorrência das crescentes concentrações populacionais, dentre as quais destacam-se a tuberculose, febre amarela, varíola, gripe, dentre outras. Em meio a esse cenário, a EFCJ- Estrada de Ferro Campos do Jordão foi idealizada pelos médicos sanitaristas Emílio Ribas e Victor Godinho, assim como a estância climática de Campos do Jordão. As pequenas vilas localizadas nos píncaros da Serra da Mantiqueira, perto das cidades de Pindamonhangaba e Taubaté, eram conhecidas por seu clima frio similar ao europeu eram propícias para o tratamento de doenças pulmonares.
A estrada de ferro foi idealizada pelos sanitaristas em 1910, junto com a construção de uma estância climática para o tratamento dos doentes na região, visando o transporte e tratamento dos doentes em busca de tratamento nos sanatórios que começavam a instalar-se na cidade. A ferrovia foi oficializada em 1910, através da Lei nº 1.221 assinada pelo então presidente do Estado de São Paulo Manuel Joaquim de Albuquerque Lins, e as obras tiveram início em 1912 sob a direção do engenheiro Sebastião de Oliveira Damas, e a ferrovia inaugurada em 15/11/1914. Inicialmente operando com apenas duas locomotivas a vapor e alguns carros de passageiros, eram realizadas apenas três viagens semanais na EFCJ, o que somado à relativa precariedade dos equipamentos, logo resultou na insolvência da ferrovia, que foi encampada pelo Governo do Estado de São Paulo em maio de 1916. Sob a administração estadual, a estrada de ferro passou por diversas melhorias em seu traçado, equipamentos e instalações, dentre as quais a mais notória é a eletrificação realizada em 1924.
A primeira empresa interessada no projeto foi a Jordão Júnior & Cia, para a qual havia sido conferida em 1918 a concessão para o fornecimento de eletricidade ao então distrito de Campos do Jordão. Para tal, foi construída uma usina hidrelétrica no Ribeirão Abernéssia, cuja barragem possuía 80 metros de comprimento e 12 de altura. O projeto apresentado pela firma consistia na divisão da EFCJ em cinco setores iguais, equipados com subestações retificadoras rotativas. A eletricidade da ferrovia viria da usina recém construída e de outra empresa de Paraizópolis, e a tensão a ser utilizada para os veículos da estrada de ferro seria de 500-600 Volts. No entanto, a licitação foi vencida pela English Electric Co.(mesma empresa que eletrificou a E.F. Santos a Jundiaí no final da década de 1940). O contrato foi assinado em 20/07/1923, e o projeto realizado consistia no fornecimento de eletricidade pela Light. A energia chegava na ferrovia no quilômetro 5, em corrente trifásica de 60 Hz, com tensão de 30kV, e seguia para a subestação de Engenheiro Lefèvre em uma linha de transmissão da EFCJ, onde era retificada para 1.500V para o uso na ferrovia. O primeiro teste foi realizado em novembro de 1924, com uma automotriz de carga que percorreu o trecho de Pindamonhangaba até Botequim(Quilômetro 26), e a inauguração oficial realizada no dia 21 de dezembro do mesmo ano, em um evento que contou com a presença do Presidente do Estado, Carlos de Campos e do Secretário da Agricultura, Viação e Obras Públicas, Gabriel Ribeiro dos Santos.
A eletrificação permitiu a melhoria considerável da qualidade dos serviços e parque de tração da ferrovia, que passou a constituir-se primordialmente de automotrizes elétricas. Junto com a eletrificação, foram fornecidos pela English Electric duas automotrizes de passageiros, duas de carga e duas automotrizes gôndola para incrementar a frota da ferrovia. Junto com a eletrificação, foi construída a extensão da linha férrea para Emílio Ribas, e chegou a ser planejada uma extensão para o sul de Minas Gerais, que no entanto, nunca saiu do papel.
Com o desenvolvimento de medicamentos para o tratamento da tuberculose na segunda metade do Século XX, o clima deixou de ser primordial no tratamento da doença, e aos poucos, os sanatórios localizados em Campos do Jordão foram desativados e posteriormente transformados em hoteis. A EFCJ não só não sofreu queda no tráfego, como tornou-se mais movimentada em função do desenvolvimento da cidade de Campos do Jordão como pólo turístico. Operando no limite da capacidade desde o início dos anos 1970, a E.F. Campos do Jordão passou por sérios problemas administrativos da mesma forma que as demais ferrovias paulistas. Em 1972 foi inaugurada a rodovia Floriano Rodrigues Pinheiro(SP-123), cujo percurso liga a cidade de Taubaté(a estrada tem início na Rodovia Presidente Dutra) a Campos do Jordão, e a ferrovia já saturada entrou em decadência.
A ferrovia passou por uma adaptação para tornar-se uma atração turística, tendo em vista que praticamente todo o transporte regular de mercadorias e passageiros da região passou a ser realizado pela estrada de rodagem. Na mesma década, foram inaugurados o Parque Capivari e o Teleférico do Morro do Elefante(1970), o Parque Reino das Águas Claras(1972) e nos anos 1980, o trem turístico suburbano de Campos do Jordão, que consistia em uma composição de dois vagões plataforma adaptados e uma automotriz de carga modernizada. Ao contrário das demais companhias estaduais, a EFCJ não foi incorporada à Fepasa em 1971, mas transferida para a Secretaria de Turismo em 1979. Também foram abertos, com o passar do tempo, o centro de memória da história ferroviária de Pindamonhangaba em 2012 com o intuito de atrair turistas para a lendária ferrovia de bondes que sobreviveu ao tempo e às reviravoltas políticas do Brasil no Século XX. Com mais de 24 milhões em investimentos entre 2011 e 2014, foram realizadas amplas reformas no material rodante, via permanente e equipamentos, e com a transferência para a Secretaria dos Transportes Metropolitanos, os serviços de subúrbio passaram a contar com novos horários para aumento da demanda, que por volta de 2015 movimentavam a média histórica de 4.000 passageiros por mês.
Seu percurso de 47 quilômetros tem início em Pindamonhangaba(Quilômetro 0), cruza o Rio Paraíba do Sul no quilômetro 7, e passada a estação Expedicionários(Quilômetro 13), segue junto ao rio Piracuama até a estação homônima(quilômetro 20) e até a parada Cacique(Quilômetro 37) percorre seu trecho mais inclinado, em um desnível de cerca de 1.300m de altitude, vencido por simples aderência em inclinação de 11%(a cada 100m percorridos, o trem sobe 11 de altitude). Em contraste com as demais, que apresentam rampas de até 4% de inclinação em livre aderência(valendo-se de cremalheiras ou funiculares para vencer inclinações maiores), a EFCJ é única no mundo por percorrer tamanha inclinação em livre aderência. Por fim, a estrada passa em Sanatórios(Quilômetro 40), Fracalanza(Quilômetro 41), Campos do Jordão(Quilômetro 42), Capivari(Quilômetro 46) e tem seu ponto final na estação Emílio Ribas(Quilômetro 47).
Formada por diversos veículos das mais variadas origens, a frota da Companhia consiste em um patrimônio ferroviário único no Brasil. A EFCJ chegou a contar com diversos veículos ao longo do tempo, e sua frota foi bastante reduzida conforme foi transformando-se em uma ferrovia turística. A companhia possui seis carros de passageiros oriundos da E.F. Sorocabana e dois do finado Tramway da Cantareira fabricados em madeira, mais um da Fepasa e um da RFFSA de aço carbono e alguns vagões para manutenção.
Frota da EFCJ em 2016:
A1: Automotriz de passageiros construída pela EE em 1924, fornecida com a eletrificação da EFCJ. Ao longo do tempo, foi modernizada quatro vezes, e teve seus truques trocados pela Mafersa em 1990. Opera no trem da Serra(Pindamonhangaba – Capivari).
A2: Construído em 1932 pela Midland Railway Carriage Wagon & Co. com os equipamentos elétricos fornecidos pela English Electric. Passou pelas mesmas modificações do A1, e foi acidentado em 03/11/2012 durante uma viagem de Campos do Jordão para Pindamonhangaba. Fora de operação.
A3: Automotriz EE construída em 1927. Foi modernizada duas vezes, e teve seu pequeno compartimento de cargas removido para aumentar o espaço para o transporte de passageiros. Ao longo do tempo, foi modernizada duas vezes. Possuía um compartimento para pequenas cargas. Opera no trem do subúrbio de Pindamonhangaba(Pindamonhangaba – Piracuama) de segunda a sábado e trem do Parque(Pindamonhangaba – Parque Reino das Águas Claras) aos domingos.
A4: Construído nas oficinas da EFCJ em 1932. Opera no trem do Mirante(Capivari – Engenheiro Lefèvre).
A5: Fabricado pela MAN em 1930, era o antigo bonde nº5 do Tramway do Guarujá. Após o fim do TG nos anos 1950, foi enviado para a EFCJ e modernizado. Opera no serviço de bonde de Campos do Jordão(Capivari – Abernéssia e Capivari – Portal).
A6: Antigo bonde nº3 do Tramway do Guarujá, de fabricação MAN, 1924. Aguarda reforma em Pindamonhangaba.
A7: Fabricado pela MAN em 1930 para o Tramway do Guarujá, onde operava como bonde nº7. Opera como bonde em Campos do Jordão(Capivari – Abernéssia e Capivari – Portal).
AL1: Construído na EFCJ em 1969, opera no trem do Subúrbio(Pindamonhangaba – Picacuama).
V1: Automotriz de carga construído pela Midland Railway Co. em 1924, convertido para passageiros em 1996. É o único que sobrou totalmente em madeira, visto que a carroceria dos demais veículos foi aos poucos sendo trocada. Opera no chamado “bonde turístico”(Capivari – Portal).
V2: Automotriz de carga de fabricação Midland construída em 1924. Tracionava o trem turístico de Campos do Jordão e trens de carga, tendo ao longo de seus anos operado na EFCJ em todo tipo de serviço. Baixada em 1995 junto com a G1, em uma colisão frontal em Pindamonhangaba.
G1: EE gôndola de 1927. Foi baixada em 1995, em uma colisão frontal com a V2.
G2: EE gôndola de 1927. Opera em serviços auxiliares, como manutenção e socorro.
G3: Automotriz Siemens gôndola fabricada em 1932. Encontra-se fora de uso desde 1974 após um acidente. Após a reforma, será alocada para o reforço da tração no trem de subúrbio, porém, sem ser convertida para passageiros.
G4: Automotriz Siemens de 1932, baixada em um acidente nos anos 1960.
Automotriz a diesel nº1: Das mais de doze automotrizes a gasolina/diesel que a EFCJ já possuiu, resta apenas uma, identificada como 1. Construída com um motor Mercedes Benz em 1917, é o veículo mais antigo da frota. Foi restaurada em 2000, e encontra-se guardada em Pindamonhangaba.
Locomotiva T1: Modelo elétrico E69 fabricado pela Siemens em 1924, operou no Tramway do Guarujá entre 1924 e 1956. Foi transferida para a EFCJ, onde operou até 1969. Depois de retirada de serviço, foi utilizada como motor do teleférico da cidade até 2014. Foi recolocada na linha e passa por restauração para exposição em Emílio Ribas.
Locomotiva Catarina nº1: Máquina a vapor de rodagem 0-4-0WT construída pela Orenstein & Koppel em 1912, operou na EFCJ até os anos 1940-50, e encontra-se em propriedade particular em Curitiba. A Companhia tentou comprá-la nos anos 1990, sem sucesso.
Locomotiva Picaruama nº2: Baixada nos anos 1940-50. Provavelmente vendida para particulares.
Locomotiva nº6: Modelo 0-6-0WT de fabricação H.K. Porter, de 1947. Foi comprada em 2005 da Usina Serra Grande, de Alagoas.
Locomotiva CBCP nº2: Máquina a vapor alugada da ABPF Sul de Minas. Pertencia à Companhia Brasileira de Cimento Portland.
Imagens:

Dr. Emílio Marcondes Ribas(1862-1925), médico sanitarista formado na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro(1887), conhecido por seu trabalho no combate às diversas epidemias que assolavam o Brasil no começo do século XX(com destaque para a tuberculose e febre amarela) e também idealizador da EFCJ

Dr. Victor Godinho(1862-1922), também médico sanitarista formado em 1887 na faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e idealizador da E.F. Campos do Jordão

Instituto de Infectologia Emílio Ribas, na cidade de São Paulo, em 2014. Os avanços da Medicina com o tratamento da tuberculose no Século XX foram a principal causa para o declínio da EFCJ como ferrovia terapêutica e sua renovação como atração turística

Antigo sanatório na cidade de Campos do Jordão. Com a desativação, muitos foram transformados em hotéis para turistas

Antigos sanatórios de Campos do Jordão construídos para o tratamento da tuberculose, conhecida como “peste branca”

Automotriz a diesel/gasolina nº1 no Alto do Lajeado, ponto ferroviário mais alto do Brasil. Sem data

Automotriz G3 momentaneamente modificada para passageiros na estação da EFCB em 1963, por Earl Clark
Fontes: Ferreoclube(http://www.ferreoclube.com.br); Estrada de Ferro Campos do Jordão(http://www.efcj.sp.gov.br/); Museu Ferroviário Paulista(https://www.facebook.com/museuferroviariopaulista/?fref=ts), Estações Ferroviárias(http://www.estacoesferroviarias.com.br/) Livro As Ferrovias do Brasil nos cartões postais e álbuns de lembranças- Gerodetti & Cornejo; Livro Campos do Jordão- A natureza que emociona- Reines, Tuca.